
Brasil articula instrumento para retaliar países que forcem barreiras protecionistas no comércio
Para evitar ruído político, o tema tem sido tratado com discrição pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
O Brasil busca ter um instrumento legal que permita ao país responder com celeridade caso seja submetido a medidas protecionistas que gerem impacto no comércio internacional.
O debate, que surgiu em reação à lei antidesmatamento da União Europeia, ganha uma urgência adicional diante da incerteza gerada pelas medidas preliminares anunciadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que afetam o comércio global.
Para evitar ruído político, o tema tem sido tratado com discrição pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Uma das opções em discussão é um projeto de lei em tramitação no Senado de autoria do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA).
O chamado “PL da Reciprocidade” prevê tornar obrigatório que países e blocos econômicos cumpram padrões ambientais compatíveis aos adotados no Brasil para a venda de bens e produtos no mercado doméstico. A expectativa é que haja “tratamento recíproco entre as nações no comércio internacional.”
Para membros do governo ouvidos pela Folha, a versão inicial da proposta é restritiva demais ao exigir normas ambientais iguais aos países e pode travar as relações comerciais do Brasil, inviabilizando o uso do instrumento no futuro.
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Eles veem necessidade de ajustes para que os elementos descritos no PL sejam mais balanceados. Ao longo das discussões, também ganhou força a avaliação de que nem toda arbitrariedade virá apenas sob a roupagem de preocupação ambiental.
Isso ficou ainda mais latente desde que Trump voltou ao poder nos Estados Unidos e anunciou, entre outras medidas, tarifas recíprocas. O etanol brasileiro apareceu no topo da lista de exemplos de disparidade tarifária citada pela Casa Branca, e as autoridades brasileiras se preparam para negociar com os americanos.
Em entrevista na quinta-feira (20), o presidente Lula voltou a dizer que, se houver taxação sobre produtos brasileiros, haverá reciprocidade. No entanto, o governo ainda não agiu nessa direção.
Para auxiliares do governo e especialistas, um cenário em que o Brasil precise retaliar decisões de Trump será complexo. Como mostrou a Folha, o país tem um conjunto limitado de normas jurídicas para reagir imediatamente à imposição de tarifas.
No governo, porém, a via pelo Legislativo não é a única opção na mesa. Uma das alternativas em estudo é a edição de uma MP (Medida Provisória).
Em audiência pública na Comissão de Meio Ambiente do Senado em dezembro, o embaixador Fernando Pimentel, diretor do departamento de Política Comercial do Ministério das Relações Exteriores, afirmou que o Brasil não tem instrumentos legais para atuar em “um mundo de protecionismo no comércio”.
Na ocasião, ele defendeu que a proposta em discussão tenha um gatilho que “permita ao governo brasileiro reagir, mas que não seja tão sensível e dispare a qualquer hora”.
Segundo ele, o instrumento deve, além de dar condições de reação e de ações de reciprocidade, permitir que o país tenha espaço para negociação ao longo do processo. “O objetivo de qualquer ação do governo nesse sentido não é apenas reagir, com o sentido punitivo. A gente quer resolver o problema, não quer punir o parceiro comercial”, afirmou.
Com o cenário mais adverso, membros do governo atuam para que a relatora, senadora Tereza Cristina (PP-MS), não condicione, em seu parecer, o uso do instrumento a ações ligadas ao meio ambiente. A ideia é ampliar o arcabouço legal brasileiro para que o país tenha respaldo jurídico para acionar medidas de reciprocidade, quando necessário.
Tereza diz estar finalizando o parecer. A senadora ressalta que o tema é complexo, mas trabalha para votar o projeto de lei na Comissão de Meio Ambiente e no plenário do Senado no primeiro semestre do ano.
“Esse projeto de lei é uma salvaguarda dos nossos produtos, não só para a Europa, mas para os Estados Unidos também, para o mundo todo”, afirma a ex-ministra da Agricultura do governo Jair Bolsonaro (PL).
“Se a gente tiver uma lei de reciprocidade aprovada nas duas Casas, isso facilita para o governo tomar as atitudes que tem que tomar em relação ao que vier, não só dos Estados Unidos, mas de outros países”, acrescenta.
Em novembro do ano passado, a Câmara dos Deputados aprovou o requerimento de urgência de um projeto de lei, de autoria do deputado Tião Medeiros (PL-PR), que também trata da reciprocidade ambiental. A proposta recebeu apoio do ministro Carlos Fávaro (Agricultura e Pecuária) pelas “vantagens” ao setor agropecuário brasileiro.
O tema ganhou destaque na época em meio à disputa envolvendo a rede francesa Carrefour e frigoríficos do Mercosul, em especial os brasileiros. A versão da Câmara proíbe o Brasil de participar, patrocinar ou ser signatário de acordos internacionais que possam representar “restrições às exportações brasileiras e ao livre comércio” quando outros países ou blocos não adotarem medidas de proteção ambiental equivalentes.
A urgência perdeu fôlego, e a proposta segue parada. A ideia é que, uma vez aprovado na Câmara, o projeto seja apensado ao PL relatado por Tereza.
*Por NATHALIA GARCIA E THAÍSA OLIVEIRA via FOLHAPRESS
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