Prefeitura de Curitiba começa obras na Arthur Bernardes sem dialogar com moradores
Mega obra tem gerado revolta entre moradores e comerciantes do entorno da via, especialmente pelo alto impacto ambiental no parque linear.
A Prefeitura de Curitiba anunciou que as obras na Avenida Presidente Arthur Bernardes começaram nesta quinta-feira (7). O projeto de requalificação, considerado essencial para acelerar a passagem da linha de ônibus Inter 2, tem gerado revolta entre moradores e comerciantes do entorno da via, especialmente pelo alto impacto ambiental no parque linear.
Conforme a administração municipal, as obras preveem a construção de um miniterminal, faixa exclusiva de ônibus e novos equipamentos de esporte e lazer, entre outras intervenções. Para isso, entretanto, centenas de árvores adultas e saudáveis serão cortadas: 160, pelo anúncio da prefeitura, além de 59 árvores transplantadas.
O Paraná Portal teve acesso à licença ambiental da obra, que mostra que o número de árvores suprimidas é bem maior. Conforme o documento, emitido pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente, para o IPPUC (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba) 642 árvores deverão ser removidas durante a execução dos trabalhos na Arthur Bernardes.
De acordo com dados do censo arbóreo municipal, a área de abrangência das obras, entre os bairros Portão, Santa Quitéria, Vila Izabel e Seminário, conta com 1.233 árvores – ou seja, mais da metade delas será suprimida.
O parecer técnico da licença ambiental também estabelece compensações ambientais diante do corte das árvores, com reposição de mudas nativas. A prefeitura iniciou o plantio de 5 mil novas mudas na área de entorno da Arthur Bernardes.
Além do corte de árvores, para a viabilização do projeto também será necessário canalizar o Córrego Vila Izabel – uma passarela para pedestres será construída na área de preservação permanente, conforme a administração municipal.
As obras serão bancadas com recursos do BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento -, com contrapartidas da prefeitura. O cronograma das atividades prevê que as obras sejam concluídas até novembro de 2025.
Moradores cobram diálogo e alternativas de menor impacto ambiental
A discussão sobre o impacto ambiental das obras na Avenida Presidente Arthur Bernardes ganhou corpo diante da emergência climática mundial, e a necessidade cada vez maior de preservação de árvores adultas e saudáveis.
As obras chegaram a ser suspensas em setembro, após o Ministério Público do Paraná questionar os processos de licenciamento ambiental, mas a liminar foi derrubada pelo Tribunal de Justiça do Paraná, que acatou as justificativas da Prefeitura de Curitiba para manutenção e continuidade do projeto.
A requalificação da Arthur Bernardes foi “engavetada” durante as eleições municipais, diante da repercussão negativa com a população. Dez dias após o segundo turno, entretanto, o início das obras foi anunciado.
Moradores da região cobram a falta de diálogo e alternativas de menor impacto ambiental. O grupo SOS Arthur Bernardes, formado por milhares moradores da cidade, reuniu mais de 12 mil assinaturas em um abaixo-assinado contra o corte de árvores no parque linear e a revisão do projeto. O documento foi protocolado pelos moradores na prefeitura. Os moradores defendem a interrupção da obra, iniciada hoje, até que ele seja revisto.
“Qual a cidade que queremos? Certamente não é a cidade que derruba árvores saudáveis, canaliza rios e abre espaço para ruas cada vez mais velozes que privilegiam o transporte individual. Certamente não é uma cidade onde a prefeitura ignora os pedidos insistentes, de seus habitantes, por diálogo. A obra do Inter 2 vai impactar 28 bairros e a vida de milhares de pessoas. E diferente do que a propaganda da prefeitura diz, esse projeto vai impactar negativamente essas milhares de vidas. Somos mais de 10.000 pessoas que pedem a revisão do projeto para que ele não destrua áreas verdes e preserve a tranquilidade de moradores em várias regiões. É possível revitalizar a linha do Inter 2 com menos impacto social e ambiental, basta que a prefeitura apresente as alternativas, elas existem! Buscamos transparência. Apesar das milhares de assinaturas e total indignação da população, as obras da Arthur Bernardes estão mantidas. Nossa esperança é a justiça, que acolham nosso novo pedido de liminar e suspendam a obra para o projeto ser revisto”, afirma o SOS Arthur Bernardes.
O grupo de moradores conseguiu agendar uma reunião com técnicos do IPPUC, por intermédio do BID, mas o encontro foi adiado duas vezes e ainda não aconteceu.
Representantes do povo cobram prefeitura
Além do grupo SOS Arthur Bernardes, parlamentares da Câmara Municipal de Curitiba e da Assembleia Legislativa do Paraná têm cobrado explicações da prefeitura sobre as intervenções na Arthur Bernardes.
Os vereadores Giorgia Prates – Mandata Preta (PT) e Marcos Vieira (PDT) propuseram uma audiência pública na CMC, com participação da comunidade para ampliar o debate sobre a mega obra. Órgãos da prefeitura foram convidados, mas não enviaram representantes.
Já a vereadora Indiara Barbosa (NOVO) protocolou um pedido de informações oficiais do município (062.00936.2024).
“Conforme demandas da população, analisamos o projeto atentamente e não identificamos as licenças ambientais supracitadas, alguns questionamentos não foram sanados, considerando o papel de fiscalização do vereador previsto na Constituição Federal e visando mais transparência solicitamos as informações”, diz a justificativa do pedido.
O deputado estadual Goura (PDT), por sua vez, também critica a falta de diálogo com a população no processo da obra, que classificou como “greenwashing” – termo em inglês que pode ser traduzido como “lavagem verde”, com a promoção de ações sustentáveis, mas que não se sustentam na prática.
“Um projeto alto em falta de diálogo com a população, descaso com o meio ambiente e a crise climática. Vergonhoso para um gestão que se diz ecológica e inteligente. É lamentável essa tentativa de ‘greenwashing’. Moradores, mandatos e organizações continuam cobrando diálogo, que até agora não aconteceu”, afirma Goura.
E aí, prefeitura?
A reportagem contatou a assessoria da Prefeitura de Curitiba e a UTAG – Unidade Técnico Administrativa de Gerenciamento, ligada ao IPPUC e que deve garantir a execução das cláusulas socioambientais e de qualidade das obras públicas realizadas por meio de programas de financiamento internacional – como é o caso do projeto da Arthur Bernardes, que conta com recursos do BID.
Por meio de nota, a prefeitura informou que foram realizadas consultas públicas presenciais desde o início do processo do contrato de financiamento para o Programa de Mobilidade Urbana Sustentável de Curitiba. A consulta pública é o instrumento exigido pela legislação ambiental para esse tipo de obra – em área urbana e de interesse público.
“Mesmo o Relatório Ambiental Prévio (RAP) não preconiza audiências públicas para sua validação, conforme a Resolução CONAMA 237/1997, que faculta ao órgão licenciador do município a determinação do rol de estudos ambientais a serem apresentados conforme o perfil do empreendimento a ser executado. Para o Projeto Inter 2, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMMA), órgão licenciador, optou pelo RAP, pelo perfil da obra”, afirma.
Conforme a prefeitura, foram realizadas quatro consultas presenciais em 2019, em pontos distintos da cidade. Em 2022, uma consulta online teve a participação de moradores de diferentes regiões. No mesmo ano, foi realizado e concluído o RAP do Projeto Inter 2. Também foram realizadas reuniões públicas específicas, uma sobre os impactos sociais e ambientais, em 2023, e outra sobre a rotina da obra e os benefícios do projeto, em maio de 2024. Toda a documentação técnica pertinente ao projeto está disponível no site da UTAG, ainda conforme a administração municipal.
Além de cumprir as exigências ambientais vigentes, os ritos também respondem às salvaguardas ambientais e sociais requisitadas pelo órgão financiador, dentro de parâmetros internacionais de sustentabilidade, condição sine qua non para assinatura do contrato.
Não há qualquer impedimento legal para a realização da obra. A Prefeitura de Curitiba, por meio da Unidade Técnica Administrativa de Gerenciamento (UTAG), pontua que sempre esteve disponível para os esclarecimentos que se façam necessários a qualquer cidadão, respondendo dúvidas por meio de protocolos da sociedade organizada, Câmara de Vereadores e órgãos de controle.
“A administração entende e respeita a preocupação da sociedade em relação às questões climáticas e reforça seus compromissos com o enfrentamento dos efeitos das adversidades do clima, inclusive em estratégias estabelecidas no PlanClima. Durante o processo de execução das obras as equipes técnicas estão imbuídas em promover ajustes de forma a tentar viabilizar a preservação de árvores. Como resultado, até o momento, somente no lote 1 do Projeto Novo Inter 2, área que compreende os bairros Santa Quitéria, Seminário, Vila Izabel e Portão, 195 árvores inicialmente afetadas pelo projeto serão preservadas. De forma a antecipar a compensação ambiental pelo atingimento das árvores previsto para a execução das obras, o Horto Municipal de Curitiba já fez o plantio de 1.454 mudas na região, sendo 495 na Vila Izabel, 25 no Santa Quitéria, 195 no Seminário e 740 no Portão. No total, estão previstas 5 mil novas mudas”, completa a prefeitura.
Ainda segundo a Prefeitura de Curitiba, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), financiador do Projeto Inter 2, também está atento aos questionamentos do movimento SOS Arthur Bernardes e intermedia o diálogo entre as partes envolvidas. Para tanto, em breve deve reagendar a reunião solicitada pelo movimento.
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