Mais escolas e médicos criam falso conceito de cobertura assistencial
O Brasil terá no início de 2025 aproximadamente 450 cursos de Medicina, 25 deles no Paraná, sendo quatro iniciantes. Precarização do ensino e da estrutura impactam na qualidade e no acesso aos serviços de saúde.
Em maio último, o Conselho Federal de Medicina lançou a Radiografia das Escolas Médicas de 2024. Na ocasião, registrava 390 cursos, com 43.501 vagas de ingresso, patamar que consolidava o país como o segundo no mundo em quantidade de escolas de Medicina, só ficando atrás da Índia, o mais populoso, com aproximadamente 1,428 bilhão de habitantes, quase sete vezes mais que o Brasil.
O mesmo estudo do CFM mostrou que quase 80% dos 250 municípios que sediam cursos médicos apresentam déficit em parâmetros considerados essenciais para o funcionamento. As lacunas incluem números insuficientes de leitos de internação, de equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF) e de hospitais de ensino, estrutura considerada indispensável para estabelecer ambiente favorável à formação adequada dos futuros profissionais. Em resumo, relega-se a qualidade para priorizar a quantidade como a real solução para suprir os vazios assistenciais e melhorar os indicadores de saúde.
O Brasil fecha 2024 já ultrapassando a casa dos 400 cursos médicos e deve iniciar 2025 com pelo menos outros 45, oito deles garantidos sob liminar na justiça e que vão se somar a quase 40 outros que se encontram sub judice e que não são reconhecidos pelo MEC. Serão 2.834 novas vagas, que, somadas às que existiam quando do estudo do CFM e as criadas neste ano, deve chegar próximo ao patamar de 48 mil. A título de comparação, eram 11 mil vagas em 1996 e 29,8 mil em 2014.
Diante deste cenário, é preciso lembrar que após a moratória de cinco anos decretada no governo Temer, a partir de 2023 o MEC tinha mais de 360 pedidos de abertura de cursos, sendo que quase duas centenas deles ainda estão pendentes para análise e que as ações judiciais continuam a proliferar. Isto mesmo com a decisão de junho do STF, que firmou posição de que novos cursos devem atender às regras impostas pela lei do Programa Mais Médicos, como apresentar média inferior a 2,5 profissionais por mil habitantes, possuir hospital com pelo menos 80 leitos, demonstrar capacidade técnica.
Ainda de acordo com o estudo do CFM, 66% das escolas médicas são da área privada, o que especialistas explicam como decorrente do crescente interesse econômico. É um mercado aquecido, onde cada curso tem seu valor estimado pelo número de vagas, cada qual valendo mais de R$ 1 milhão. Afinal, como indica o Ministério da Educação (MEC), as mensalidades dos cursos de Medicina participantes do Programa Universidade para Todos (ProUni) variam entre R$ 7.613,55 e R$ 19.000,00, de acordo com as diferentes regiões do Brasil.
Então, a avalanche de pedidos de abertura vai exatamente na direção desse potencial econômico. A qualificação é aspecto à parte e tem a ver com os esforços para aprovar projeto que determine um exame de proficiência, tal qual com os advogados. Há forte lobby contra instrumentos que possam colocar o problema às claras. Experiências como a do Cremesp já mostraram a precariedade da aptidão técnica da maioria dos formandos que passaram por testes.
Enquanto isso, outras iniciativas isoladas tentam alertar a sociedade e a classe médica sobre os impactos nocivos da formação de má qualidade. O CFM criou o Sistema Nacional de Acreditação de Escolas (Sieme), enquanto o CRM do Rio Grande do Sul editou resolução tornar infração ética a conduta do profissional que aceita atuar na docência em escola médica não reconhecida pelo MEC. É fato que, ao longo da história, raros foram os casos de extinção ou descredenciamento de cursos. E sorte que ainda temos o escudo do Revalida, mecanismo para revalidar diplomas obtidos no exterior e sempre acossado por milhares de brasileiros que estudaram ou estudam em escolas de baixa qualificação em países do Mercosul.
Cursos no Paraná
O Paraná deverá ter pelo menos 25 cursos de Medicina em 2025, com aproximadamente 2.560 vagas de ingresso. Para o novo ano estão previstos os cursos da Faculdade Honpar (vinculada ao Hospital Norte Paranaense), de Arapongas, e da Fatec-Ivaí, de Ivaiporã, ambos com 60 vagas cada, além da Unicentro de Guarapuava, com 40 vagas. Neste segundo semestre, a Unifateb, de Telêmaco Borba, iniciou as aulas para 40 alunos, 20 com ingresso por vestibular e 20 pela nota do Enem, tendo realizado a “cerimônia do jaleco” da primeira turma já em 29 de outubro.
Como indicado pelo Centro Universitário de Telêmaco Borba (Unifateb) no edital para convocação da primeira turma, o curso foi autorizado pela Portaria Ministerial Seres/MEC nº 355, de 01/08/2024, publicada no Diário Oficial da União no dia seguinte. Porém, em cumprimento a decisão judicial. O curso ainda não está inserido no Cadastro Nacional de Cursos e Instituições de Educação Superior (Cadastro e-MEC).
Dos cursos já existentes no Paraná, que tem o da Universidade Federal como o precursor (fundado em dezembro de 1912 e que hoje disponibiliza 190 vagas), encontra-se sub judice o do Centro Universitário Unifapi, de Pinhais, envolvido numa transação financeira vultosa com a Cruzeiro do Sul Educacional, que em 2019 já havia adquirido a UP (Universidade Positivo). O curso com sede em Pinhais e iniciada no segundo semestre de 2023, tinha previsão total de 154 vagas em Medicina, agora efetivado para o primeiro semestre de 2025.
Número de médicos
Na Demografia Médica deste ano do CFM, estudo apresentado em abril, o Brasil já dispunha de 575.930 médicos ativos, em proporção de 2,81 médicos por mil habitante. Nos anos 1990 o país contava com 131 mil profissionais, o que representou uma evolução de 339% em termos percentuais. A ascensão ocorre em ritmo acelerado, pois, hoje, passados apenas sete meses desde a divulgação do estudo do CFM, o total de médicos já chega a 598.573. As projeções são de que o país atinja marca superior a 815 mil médicos em 2030, em patamar bem superior à meta almejada por governistas para se equiparar ao preconizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Estatísticas à parte, a realidade mostra que as iniciativas e experiências feitas até agora estão longe de determinar melhores condições de acesso e qualidade assistencial. A interiorização do médico continua esbarrando em falta de estrutura, condições de trabalho e perspectiva de carreira profissional e de qualidade de vida. E sob a agravante de que os jovens médicos, cada vez mais dependentes dos recursos de apoio de diagnóstico e tratamento – em parte também pela deficiente formação -, preferem as vantagens dos centros maiores e mais desenvolvidos. A distribuição assim é desigual, com excesso de profissionais no Sudeste e falta no Norte e Nordeste.
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O Paraná conta hoje com 38.562 médicos, ou praticamente o índice de 3,4 por mil habitantes; em 2011 o índice era de 1,8. Do total de hoje, 15.126 dos profissionais estão concentrados em Curitiba; quase 40%. A seguir vêm Londrina (3.247), Maringá (2.987), Cascavel (1.832), Foz do Iguaçu (1.115) e Ponta Grossa (1.108). Considerando graduandos locais e vindos de outros centros, as projeções são de que o Paraná tenha aproximadamente 55 mil médicos até 2030, contrastando com desaceleração do crescimento populacional.
O presente artigo está centrado em estatísticas e não se propõe a ingressar, neste momento, em análise de possíveis consequências do fenômeno do crescimento exponencial de uma classe profissional, como imagem institucional, status e ganho econômico pessoal, infrações éticas, ações de responsabilidade civil e criminal e até mesmo o acesso pelos graduandos à educação continuada e às especializações, este um campo onde as residências médicas estão longe de acompanhar o volume de vagas que vêm sendo criadas, o que deve alargar o percentual de generalistas. No Paraná, hoje, 42% dos médicos não possuem título de especialidade registrado.
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