Colunas
Doação de órgãos: recusa da família ainda é o maior entrave
Imagem: Freepik

Doação de órgãos: recusa da família ainda é o maior entrave

A história dos transplantes, a campanha Setembro Verde e o dia nacional de conscientização

Hernani Vieira - sexta-feira, 27 de setembro de 2024 - 07:15

O Setembro Verde é o mês de incremento da campanha de conscientização de doação de órgãos, sendo que o Dia Nacional é consagrado em 27 de setembro, como instituído pela Lei n° 11.584, de 2007. Objetiva fazer com que as pessoas debatam mais em família sobre o tema e enxerguem o ato como a extensão da vida nos semelhantes. Então, de fato, merece uma reflexão ampla na sociedade, inclusive dos profissionais de saúde envolvidos no processo.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo em volume de transplantes de órgãos, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. Embora no ranking geral das nações possa perder destaque quando considerado o número de habitantes, o Brasil detém o maior programa público de transplante de órgãos, tecidos e células do mundo e o SUS é responsável pelo financiamento de cerca de 95% dos transplantes no País.

O Paraná é referência na doação de órgãos entre os estados. Em 2023, registrou 42,5 doadores por grupo de milhão de população, seguido de Santa Catarina (40,7), Rondônia (40,5) e Rio de Janeiro (27,0). A média nacional é de 19,5. Ao longo do ano passado, foram 1.213 notificações, sendo 486 doações efetivas. DE acordo com a Central Estadual de Transplantes (SESA), entre janeiro e agosto de 2024 o Paraná atingiu o maior número de transplantes de órgãos sólidos dos últimos seis anos, com 574 procedimentos. O período também foi marcado pelos recordes nos transplantes de coração, com 28 procedimentos, e de rim, com 342 procedimentos.

O Sistema Nacional de Transplantes (do Ministério da Saúde) confirma que, atualmente, 3.992 pessoas aguardam na fila de espera por um transplante no Paraná. A maior demanda é por transplante de rim, com 2.222 pacientes, seguido por transplante de córneas (1.436) e de fígado (257). Como mostram as estatísticas dos últimos anos, a recusa familiar (27%) continua sendo o maior entrave às doações, ficando à frente até mesmo das contraindicações clínicas (25%). Esse fenômeno, presente nos demais países, inclui aspectos como a incompreensão da morte encefálica, a falta de preparo da equipe para fazer a comunicação sobre a morte e motivos religiosos.

A evolução histórica, contudo, retrata crescimento das indicações e as doações. Em 2011, por exemplo, foram 401 indicações e 111 doações, representando 10,7 por milhão de população. Em 2017 este índice saltou para 38,0, chegando no ano seguinte ao seu maior patamar histórico: 47,7, decrescendo nos três anos seguintes para chegar a 36,0. E, 2022 subiu para 41,2 e, em 2023, aos 42,5.

O transplante renal é hoje o mais prevalente no Brasil, respondendo por aproximadamente 65% das cirurgias. Em seguida aparecem os transplantes de fígado e coração.

Transplantes, história de 60 anos no Brasil

A história da doação de órgãos no Brasil começou na década de 1960, com o primeiro transplante renal, realizado em abril de 1964, no Hospital dos Servidores do Estado (HSE) do Rio de Janeiro. O receptor foi um adulto de 18 anos e o doador uma criança de nove meses com hidrocefalia.

O primeiro transplante de coração no Brasil foi realizado no dia 26 de maio de 1968, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. O paciente foi João Ferreira da Cunha, um lavrador de 23 anos de Mato Grosso do Sul, conhecido como João Boiadeiro. A cirurgia foi liderada pelo cirurgião Euryclides de Jesus Zerbini e durou mais de seis horas. Ele viveu por 28 dias.

Recorde-se que o primeiro transplante de coração do mundo ocorreu apenas alguns meses antes do conduzido por Zerbini. Foi realizado em 3 de dezembro de 1967, na Cidade do Cabo, na África do Sul, pelo cirurgião cardiovascular Christiaan Barnard. O paciente de 53 anos sofria de insuficiência cardíaca progressiva. O órgão transplantado veio de uma jovem de 25 anos, morta em acidente. O transplantado faleceu 18 dias depois, de infecção pulmonar. Hoje a sobrevida é em média de 13 anos, mas a casos mais longevos, como o alagoano Francisco Sebastião de Lima, que viveu 34 anos depois de receber um novo coração, aos 17 anos. Faleceu em abril de 2023. Era, então, o transplantado brasileiro com maior tempo em vida com “coração novo.

Os primeiros transplantes de fígado no Brasil foram realizados no HC da USP, em 1968, mas não foram exitosos, tais quais o realizado de forma inédita em Denver, nos Estados Unidos, pela equipe do médico Thomas Starzi. Até então, somente outros três países, além dos UEA, (Inglaterra, Holanda e Alemanha) tinham programas constantes de transplantes de fígado. Até o primeiro bem-sucedido, pela equipe do próprio Starzi, dezenas de pessoas morreram nos centros cirúrgicos. No Brasil, o primeiro exitoso ocorreu somente em setembro de 1985, também no HC de São Paulo, sob liderança do médico Silvano Raia.
Nessa época, o índice de sobrevida no mundo era de cerca de 10%. De lá para cá, tudo mudou, a ponto de ser difícil encontrar similaridade tecnológica e clínica entre os transplantes feitos hoje. O transplante hepático, devido aos seus problemas médicos e cirúrgicos complexos, é considerado o mais caro dos transplantes. Apesar de não parecer uma escolha fácil, o transplante de fígado só é considerado quando não há mais outras formas de combater a doença e o paciente corre risco de morte.

O primeiro transplante de medula óssea na América Latina foi realizado em outubro de 1979, no Hospital de Clínicas de Curitiba, e teve como paciente Alírio Pfiffer, que era morador em Blumenau (SC) e que hoje empresta nome ao Instituto TMO, criado em 1988 para atuar em apoio aos centros de transplantes de medula óssea de todo o Brasil.

O procedimento, liderado pelos médicos Ricardo Pasquini e Eurípedes Ferreira, desbravou novo caminho da medicina na especialidade, hoje com aproximadamente 3 mil transplantes realizados.

O primeiro TMO alogênico bem-sucedido tinha sido realizado em março de 1969 pela equipe do Prof. Edward Donnall Thomas em Seattle (EUA). Este trabalho ajudou a aumentar as taxas de sobrevivência para tipos de câncer no sangue, como leucemia e linfoma, de praticamente zero para mais de 90%. Em 1990 ele dividiu o Prêmio Nobel de Medicina com Joseph E. Murray.

Quem pode e como funciona a doação

Qualquer pessoa pode ser doadora. O doador falecido é paciente diagnosticado em morte encefálica (ME), o que ocorre normalmente em decorrência de traumas/doenças neurológicas graves. Há casos em que o falecimento decorre de parada cardiorrespiratória (PCR). Assim após a confirmação da morte e havendo autorização familiar é realizada a doação.

O doador vivo, por sua vez, é qualquer pessoa saudável. Pode ser doadora em vida de um dos seus rins ou parte do fígado para um familiar próximo (até 4° grau consanguíneo). Porém, quando a doação de um rim ou parte do fígado for para uma pessoa não aparentada é necessário autorização judicial. Pode, ainda, lavrar a sua condição de doador de órgãos e tecidos.

Quais órgãos podem ser doados? Coração, rins, pâncreas, pulmões, fígado e também tecidos, como: córneas, pele, ossos, valvas cardíacas e tendões. Ou seja, um doador pode ajudar muitas pessoas.
Como fica o corpo? Os órgãos doados são removidos cirurgicamente e antes de ser entregue a família o corpo é reconstituído condignamente e sem deformidades, podendo ser velado normalmente.
Quem recebe? Os órgãos doados são destinados a pacientes que necessitam de transplante e estão aguardando em uma lista única de espera. Esta lista é fiscalizada pelo Sistema Nacional de Transplantes do Ministério da Saúde e Centrais Estaduais de Transplantes. A seleção de paciente que aguarda por transplante ocorre com base na gravidade de sua doença, tempo de espera em lista, tipo sanguíneo, compatibilidade anatômica com o órgão doado e outras informações médicas importantes. Todo o processo de seleção dos potenciais receptores é seguro, justo e transparente.

Fique por dentro das notícias do Paraná: Assine, de forma gratuita, o canal de WhatsApp do Paraná Portal. Clique aqui.

Compartilhe