Coluna Alceo Rizzi
Candidata lembra Savonarola, aquele padre italiano alucinado de Florença
Foto: Divulgação/PMB

Candidata lembra Savonarola, aquele padre italiano alucinado de Florença

‘”Candidata a prefeita de Curitiba, Cristina Graelm, lembra aquele padre renascentista alucinado que se dizia intérprete da vontade de Deus e das manifestações da natureza e da pureza humana, maluco que queimava obras de Dante e de outros escritores”.

Alceo Rizzi - segunda-feira, 21 de outubro de 2024 - 11:24

A jornalista candidata à prefeita de Curitiba, Cristina Graelm, para fazer justiça em reciprocidade à sua retórica, bem poderia ser comparada a versão moderna, ainda que sem o mesmo eventual brilho intelectual, à Gerolamo Savonarola, o alucinado padre dominicano que durante algum tempo incendiou Florença, Itália, com o seu fervor de pretensa divindade, em bravatas de pregação, no século XV, até perder o embalo e ser vítima do fogo nem tanto divino, ao aceitar se submeter a uma ordália. Logo, logo ela parece aparentar ser capaz de começar a botar fogo em pilhas de livros em praça pública, como fez igualmente o frade de neurônios convulsivos e fervorosos, no início do período do Renascimento, quase final do século XV, porque, a seu juízo, eram artefatos que representavam a opulência, o luxo e a imoralidade, fossem eles de Dante ou de qualquer outro iluminado escritor, numa espécie de real e verdadeiramente trágica Divina Comédia Humana. Coisa que também se viu na Alemanha do Terceiro Reich. Não está a jornalista muito distante, ao que parece, e melhor é acreditar que seja apenas por eventual ímpeto, não como referencial, ainda que haja tendenciosa suspeição.

Toda pretensamente pura, tudo para ela anda errado em sua sapiência, tudo está mal feito ou por fazer na Curitiba aclamada por muitos, é preciso antes de tudo afastar os demônios que rondam a cidade e dela se ocupam, comunistas travestidos e disfarçados que teimam em continuar tomando conta dos corações e mentes dos mais desavisados. Tem monopólio da verdade e do conhecimento.

É necessário purgar todos nossos pecados, salvar a todos das profundezas dos círculos infernais e cheios de trapaças dos quais somos ingênuos e úteis reféns. Em tempos de maior racionalidade, isso tudo teria outro nome e tratamento, o que se desloca agora de contexto.

No caso de Girolamo Savonarola, que se dizia intérprete das vontades divinas, seduzindo centenas de jovens da Florença renascentista da era Medici em finais dos anos do Renascentismo, as coisas acabaram não dando muito certo no final. Desafiado e a esta altura ele próprio já autoconvencido de seus poderes divinos, aceitou o desafio de ser submetido a uma Ordália, para poder provar seus dons espirituais e sua conexão direta com Deus e assim provar a todos de ter sido por ele escolhido para divulgar a melhor conduta humana. A ordália, com origens que remonta ainda nos tempos de Hamurabi, rei da Babilônia, se constituía em provar ao olhos de todos e sob aprovação de Deus, culpa ou inocência, verdade ou mentira, espécie de prova judiciária, como personagem sendo submetido a testes por meio de participação da natureza e consequência de seus elementos, assim como ela é em sua plenitude.

Fiasco completo. O então famoso frade dominicano, se pudesse, talvez até escolheria como teste algo mais brando, resgatar qualquer objeto submerso de dentro de um barril cheio de água fervente, ficar com os braços estendidos pelo maior tempo possível e determinado, ser jogado dentro de algum rio com uma corda bem enrolada e travada pela cintura, tendo na outra ponta uma pesada pedra amarrada. Se conseguisse sair ileso, superar esses desafios, estaria provando sua inocência e sua verdadeira identidade divina. Era o que pregava. Mas, para o que se poderia atribuir com pouca sorte de um homem santo florentino, protegido que se fazia pela vontade divina, submeteram o pobre frade dominicano à prova de caminhar sobre uma tapete de brasas incandescentes, extensão de três metros. Estaria sob o julgamento apenas perante Deus, nada mais certo e justo. Verdadeiro, ou falso. Deu no que deu!

Os tempos são outros, deve-se todos comemorar. E de fato, dar graças de não haver mais ordálias ( exceção ainda em alguns lugares na África Ocidental), apesar de ainda persistirem esporadicamente síndromes de distúrbios cognitivos e neurônios febris e alucinados, dos delírios de ver transitar fantasmas comunistas e dissimulados, que nos rondam, malfeitores das trevas, disso a jornalista candidata a prefeita pode se dar por agradecida. Mas, no próximo domingo, será possível saber se ventos babilônicos, por respeito ao transcurso do tempo e das conquistas alcançadas ao longo dos séculos pela evolução das espécies e da condição humana, o que espera-se é que se façam presentes trazendo alguma ordália branda, contemporânea e civilizada. Para que a língua seja de fato o chicote da alma. Já vivemos tempos sombrios além da conta.

Alceo Rizzi é jornalista, publicitário e escritor.

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