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Dia Nacional de Combate ao Fumo: luta de décadas e o impasse com o cigarro eletrônico
Foto: Ethan Parsa/Pixabay

Dia Nacional de Combate ao Fumo: luta de décadas e o impasse com o cigarro eletrônico

A liberação dos chamados vapes representa um retrocesso após anos de luta pela qualidade de vida e melhoria da saúde da população

paranaportal - terça-feira, 27 de agosto de 2024 - 13:44

POR HERNANI VIEIRA O Dia Nacional de Combate ao Fumo é comemorado anualmente no Brasil em 29 de agosto e encontra amparo na Lei nº 7.488, sancionada em 1986 pelo Presidente José Sarney. Sua inspiração, contudo, decorre da chamada Greve do Fumo, que foi deflagrada em Curitiba, na mesma data, mas ainda no ano de 1980. Um movimento que ganhou repercussão nacional e teve entre os idealizadores os médicos pneumologistas e professores Leo Choma, Rubens Jansen de Sá, Roberto Pirajá Moritz de Araújo, Rodney Frare e Silva e Jayme Zlotnik, este, sem dúvida, o pioneiro na jornada de luta pela erradicação do tabagismo no Paraná que começou ainda em meados dos anos 1960, e também o jornalista Adherbal Fortes de Sá Júnior, mentor da campanha publicitária.

A Greve do Fumo, que levou mais de cinco mil estudantes às ruas, possibilitando abaixo-assinado com quase 150 mil assinaturas contra o tabagismo, gerando documento oficial que chegou às mãos do então Presidente João Figueiredo. A mobilização levou à aprovação, pela Assembleia Legislativa do Paraná, da Lei Estadual 02/1980, proibindo o fumo na rede estadual de ensino e no transporte coletivo intermunicipal. Importante lembrar que já no ano de 1971, acolhendo sugestão do Professor Jayme Zlotnik, o então prefeito de Curitiba, Jaime Lerner, havia sancionado a Lei nº 3.933, proibindo o fumo no transporte coletivo urbano, tendo para isso apoio não só dos usuários dos serviços como das próprias empresas de ônibus.

Foi nesse início dos anos 1980, em meio a cruzada antitabagista, que surgiu a Associação Paranaense Contra o Fumo (APCF), voltada a dar apoio ao Programa Estadual de Combate ao Tabagismo e que teve os Drs. Jayme e Choma e o jornalista Adherbal Fortes entre os primeiros dirigentes. Desde 2010 a Associação é dirigida pelo também professor e pneumologista Jonatas Reichert, autor do livro 35 Anos de História da Luta Contra o Tabagismo no Paraná, lançado em 2015 e que se constituiu em rica referência sobre a história do controle do tabagismo no Paraná, tendo como marco a Associação.

Ao se falar nesta jornada iniciada há mais de cinco décadas e que teve substancial vitória com a Lei 9.294/1996, proibindo o uso de qualquer dispositivo fumígeno em ambientes coletivos fechados, mira-se o projeto de lei n° 5008/2023, de apresentado em outubro do ano passado pela senadora Soraya Thronicke (Podemos/MS) visando regulamentar os cigarros eletrônicos no Brasil – também conhecidos como vapes, tendo entre os argumentos a geração de empregos e combate ao crime organizado. Eles são proibidos no Brasil desde 2009, conforme determinação da Anvisa (RDC 14), mas há intenso comércio clandestino, inclusive pela internet. A restrição foi ratificada mais recentemente após consulta pública.

O relator da proposta no Senado é Eduardo Gomes (PL-TO), que já apresentou parecer favorável à proposta de regulamentar a comercialização, importação e propaganda de todos os tipos de dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs). A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado agendou para o dia 3 de setembro a votação do PL 5008/2023, a partir de pedido de adiamento foi feito pelo relator da matéria, que já emitiu parecer favorável à regulamentação, “uma vez que mais de sete milhões de pessoas consomem cigarros eletrônicos ilegais no país”. As regras incluem limite de substâncias nos cigarros e proibição para menor de 18 anos e da oferta de vapes com visual e sabores atrativos ao paladar infantil. A pesquisa popular lançada na própria página do Senado indica posição favorável (57%).

As entidades médicas e científicas e de outros movimentos que lutam pela qualidade de vida e melhoria da saúde da população enxergam retrocesso na flexibilização sob a força do lobby de grupos interessados na exploração de venda dos produtos. Reiterando posição firmada em maio de 2022, a Associação Médica Brasileira (AMB), Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead), de Saúde Coletiva (Abrasco), de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), de Pediatria (SSBP) e de Cardiologia (SBC), com apoio de meia centena de outras entidades médicas, alertaram sobre os riscos e malefícios dos DEFs  (dispositivos eletrônicos para fumar) e que se trata de uma questão de saúde pública, com impacto brutal nos indicadores epidemiológicos e de recursos públicos.

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Como alertam as entidades médicas, os cigarros eletrônicos contêm nicotina, droga que leva à dependência, bem como dezenas de outras substâncias químicas cancerígenas. O uso de nicotina aumenta o risco de trombose, AVC, hipertensão e infarto do miocárdio, entre outros, além de elevar em três vezes a possibilidade de o usuário também fumar cigarros comuns. Em suma, a sociedade de defronta com novo dilema e que pode advir do seio legislativo a reversão de décadas de esforços da política de controle do fumo e em oposição ao próprio ordenamento sanitário do País.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), havia, em 2021, 32 nações que vetavam o comércio do cigarro eletrônico, enquanto outros 79 liberavam com o dispositivo, com maior ou menor grau de restrição. Atualmente, 21 países das Américas regulamentam de alguma forma os sistemas eletrônicos de liberação de nicotina, como cigarros eletrônicos e vapes. Oito deles (Argentina, Brasil, México, Nicarágua, Panamá, Suriname, Uruguai e Venezuela) proíbem totalmente sua venda, e os outros 13 adotaram parcial ou totalmente uma ou mais medidas regulatórias. Enquanto isso, 14 países não possuem nenhuma regulamentação para esses produtos.

EM TEMPO: Na passagem do Dia Nacional de Combate ao Fumo, merecida referência do Dr. Jayme Zlotnik, curitibano nascido em fevereiro de 1933, filho de imigrantes (pai russo e mãe polonesa). Formado em 1956 pela UFPR, da qual foi professor, também foi médico militar. Em 1984, sob sua liderança, foi criado em âmbito nacional o Comitê Coordenador de Controle do Tabagismo, que ajudou a dar ainda mais visibilidade à causa antitabagista. “Temos o desejo de deixar legado aos nossos descendentes de um mundo mais limpo, mais saudável e melhor”, diz o médico.

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